segunda-feira, 20 de outubro de 2008

100 horas de agonia


No mais longo caso de cárcere privado de São Paulo, a polícia mostra pouca habilidade – e não consegue impedir um desfecho trágico
Solange Azevedo
Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 20/outubro/2008.


TENSÃO
A estudante Eloá Cristina Pimentel, na janela do apartamento em que foi mantida refém por quatro dias. Ela levou dois tiros
Até a semana passada, Lindemberg Alves, de 22 anos, era bem-visto pelos moradores do conjunto habitacional onde vive, em Santo André, São Paulo. Descrito como “sossegado” e “trabalhador”, Liso, como é conhecido, fazia parte do grupo dos “meninos bons” – aqueles que não se envolvem com drogas nem com a bandidagem. Curtia bailes funk e gostava de andar de moto pelo bairro. Um de seus passatempos era comer pão com mortadela e tomar refrigerante com os companheiros de futebol, com os quais se reunia na calçada diante de um barzinho. Na segunda-feira 13, num apartamento de 53 metros quadrados com pintura verde e bege envelhecida, no 2º andar do bloco 24, o sossegado Liso perdeu o controle. A princípio, ele parecia querer apenas que a ex-namorada Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos, o aceitasse de volta. Mas o rapaz fez quatro reféns e deu início ao mais longo caso de cárcere privado do Estado de São Paulo. Foram mais de cem horas de tensão. No começo da noite da sexta-feira, cerca de 18 horas, a polícia invadiu o local depois de ouvir o som de um tiro vindo de dentro do apartamento. Os agentes encontraram Eloá inconsciente, atingida por um disparo na cabeça e outro na virilha. Ela teve morte cerebral. Nayara da Silva, de 15 anos, também mantida refém, foi alvejada com um tiro no rosto. Segundo os médicos, seu estado é bom.

PM não entendeu a mente do criminoso
Seg, 20/10/08por Paulo Moreira Leite |categoria País

Como se sabe, não existe trabalho mais fácil do que uma engenharia de obra feita. Depois que tudo aconteceu, chega a ser covardia comentar a atuação de quem estava no local de um crime, tomando decisões no calor da hora.
Mesmo assim, quero dar minhão opinião sobre a tragédia que produziu a morte de Eloá Pimentel.

Eu queria falar de um aspecto básico: depois 100 horas de negociação a PM não conseguiu entender a mente do sequestrador.
Isso, para mim, foi o fundamental. A polícia procurou um comportamento racional aonde ele não existia. Dialogou com quem não conversava. Fez negociações com quem tinha um plano mórbido e já definido em mente e só queria encontrar o momento certo para realizá-lo.“Minha cabeça está à milhão,” dizia o assassino à polícia, mostram as gravações do sequestro.
Os policiais e demais autoridades apostaram em hipóteses erradas e em possibilidades que não tinham fundamento. Não enxergaram a perversidade extrema do criminoso.

O ASSASSINO NÃO ESTÁ EM NOSSO MUNDO

Numa entrevista coletiva, o comandante do GATE informou que a PM estava preocupada em poupar três vidas. Era seu dever.

Mas foi uma tragédia, realizado por um criminoso movido pelo irracional, que pretendia reparar o irreparável, o que não tem preço.
O próprio assassino admitiu, em determinado momento, que não queria mais a ex-namorada. Queria o quê? Vingança, vingança, disse.

No final, entre os três envolvidos, o único que saiu inteiro foi o criminoso. As autoridades que acompanhavam caso estavam convencidas de que ele poderia entregar-se. Fizeram concessões, negociaram, aceitaram exigências porque tinham essa perspectiva.

Em mais de uma oportunidade o assassino pediu para a PM invadir o local, deixando claro que isso seria um bom motivo para acionar o lance final de seu projeto homicida.
Os diálogos mostram uma pessoa determinada, com uma mente que funciona a partir de outra lógica.
Em seu delírio, o castigo imposto a antiga namorada era mais do que merecido. Ele não considerava o cativeiro um ato de covardia, mas um gesto de quem não merece ser rejeitado nem humilhado.
A pessoa que diz, num momento como aquele, que está ouvindo o diabinho e o anjinho, já perdeu a capacidade de controlar os próprios atos.
Não está falando. Não está ouvindo. Não está em nosso mundo, no de Eloá, no da PM.
Vive uma fantasia impenetrável. Tem duas vítimas à sua frente, indefesas, e um revólver na mão.
Seu domínio sobre as duas era absoluto. Eloá não tentou fugir, embora o criminoso estivesse sòzinho, o que, ao menos em teoria, sempre cria oportunidades de fuga.
Não estava acertado que Nayara retornasse ao apartamento. Ela voltou e ficou.

Na segunda-feira, quando o criminoso entrou no apartamento de Eloá, dois rapazes estavam lá. Em tese, seriam os mais capazes de oferecer alguma resistência. Foram os primeiros a sair.
Se tivesse feito outra avaliação, a PM teria agido de outro modo.

A PM teve seis chances de alvejar o assassino e preferiu não fazê-lo. Essa era uma das possibilidades, dizem vários especialistas.

POLÍCIA DEVE FAZER SEGURANÇA E NÃO RELAÇÕES-PÚBLICAS

Após vários dias ficou claro que o criminoso não iria deixar o apartamento por vontade própria nem seria convencido pelo telefone que deveria libertar as duas reféns.
Essa possibilidade estava além de suas capacidades de compreensão.

Alvejar o criminoso seria uma saída grave e extrema, mesmo naquela situação concreta. Mas teria sido uma forma de proteger vidas indefesas, depois que tantas tentativas de chegar a uma saída sem vítimas não deram resultado.

Na hora de se explicar, o comandante do GATE disse que se o sequestrador tivesse sido morto, a imprensa iria criticar a ação da PM. Esta advertência tem um fundo de verdade, infelizmente.

Mesmo assim, a resposta do comandante do GATE está errada. Sugere que a PM não fez a alternativa correta porque ela não dá Ibope com a mídia.
A PM tem o dever de cuidar da segurança dos cidadãos e não de preocupar-se com índices de popularidade. Seu foco não é o marketing, não é relações públicas.
O que você acha?

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